Doação de bens: aspectos conceituais e práticos
- O que é Doação?
Nas palavras de Luiz Guilherme Loureiro, “doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para o de outra, que os aceita”.
Aliás, preceito bem parecido foi inserido pelo legislador pátrio no Código Civil, ao conceituar o contrato de doação no artigo 538: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
Desse conceito é possível extrair algumas características da doação: por ser uma liberalidade, portanto, sem retribuição alguma, correto dizer que se trata de um contrato gratuito celebrado inter vivos.
O animus donandi caminha lado a lado como a gratuidade do instituto, ou seja, trata-se da intenção livre de realizar uma atribuição patrimonial gratuita com o único fim de enriquecer o donatário.
Em outras palavras, o doador quer dar a outra parte uma vantagem sem receber absolutamente nada em contrapartida, isto é, o doador age com a intenção de beneficiar o donatário.
Outra característica é ser a doação um contrato consensual; para se aperfeiçoar basta o encontro de vontades entre a proposta e a aceitação.
Diz-se também ser um contrato unilateral, pois não há obrigação alguma a ser assumida pelo donatário.
O doador se obriga sem que exista qualquer retorno por parte do beneficiário que não assume nenhuma contrapartida.
Por fim, se afirma ser a doação de um imóvel um contrato de caráter personalíssimo e não de natureza real, pois a transferência da propriedade não será imediata, necessitando de ato posterior que vem a ser o registro do título no cartório de Registro de Imóveis.
- Partes envolvidas
Somente duas são as partes no contrato de doação: doador e donatário.
Doador é a pessoa física ou jurídica que, por liberalidade (olha aí, novamente, o conceito do artigo 538 CC), transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para outra.
Donatário é aquele que recebe os bens ou vantagens, sofrendo um enriquecimento em seu patrimônio, sem ter que realizar qualquer contraprestação.
- Requisitos da doação
Assim como os demais contratos, a doação pressupõe alguns requisitos essenciais:
=> agente capaz;
=> objeto lícito;
=> possível e determinado ou determinável;
=> forma prescrita ou não defesa em lei.
Agente capaz significa ter o doador a plena capacidade para os atos da vida civil, isto é, não ser absoluta ou relativamente incapaz.
A legislação civil traz exceções a essa regra (art. 543 do Código Civil), porém, fiquemos com a regra geral de que o donatário precisa ser alguém capaz de reger a vida civil.
Não basta ter capacidade, sendo necessário possuir também a legitimidade para doar que, em outras palavras, determina que o doador seja o proprietário, o dono da coisa a ser doada.
“A doação pode atingir qualquer bem alienável, desde que dotado de valor patrimonial, seja móvel ou imóvel; no que diz respeito aos imóveis, pode ser doado o imóvel, a nua propriedade, quaisquer direitos reais e mesmo a renúncia de um direito, desde que a liberalidade seja a causa determinante do ato” (obra citada, pg. 804).
Através dessa escritura, uma das partes doa um bem para outra gratuitamente, todavia, pode ser estipulada cláusula de contraprestação como, por exemplo, construir um hospital ou escola na propriedade doada.
Caso o valor do bem imóvel seja superior a 30 (trinta vezes) o maior salário mínimo vigente no país, a doação deve ser obrigatoriamente realizada através de escritura pública.
A doação de um bem, seja móvel ou imóvel, acontece através de Escritura Pública de doação, registrada e assinada no Cartório de Notas.
No caso de bem imóvel, essa escritura de doação deverá ser objeto de registro no Cartório de Registro de Imóveis, desde que haja prova do consentimento do donatário, salvo as hipóteses que a lei dispensa essa aceitação (como no caso de doação feita em contemplação de casamento futuro e doação pura feita à pessoa absolutamente incapaz).
Algumas vezes essa aceitação não irá constar na escritura pública; nesse caso, o oficial de registro deverá exigir a prova de que o donatário está ciente da doação ou que decorreu o prazo sem impugnação, pois no silêncio do donatário, presume-se sua aceitação.
- Modalidades de doação
Vários são os tipos ou modalidades de doação, entre os quais podemos destacar as seguintes: doação pura, condicional, modal, remuneratória, mista, com cláusula de reversão e conjuntiva.
Vejamos rapidamente cada uma delas.
Doação pura é aquela realizada por liberalidade, sem qualquer vinculo a evento futuro e incerto; trata-se de ato feito com simples finalidade de beneficiar alguém em seu patrimônio.
Doação condicional é aquela que estabelece uma condição suspensiva ou resolutiva; suspensiva seria aquela em contemplação de casamento futuro, independente de aceitação expressa, ficando, no entanto, sem efeito, se o casamento não se realizar. Em outros termos, a celebração do matrimônio é conditio sine qua non da eficácia da doação.
Doação modal ou com encargo é a que contém imposição de um dever ao donatário; se o encargo for impossível ou ilícito, a cláusula será tida como não escrita.
Doação remuneratória é a que se faz para recompensar serviços prestados, não podendo ser revogada por ingratidão.
Doação com cláusula de reversão é aquela que impõe o retorno dos bens doados ao patrimônio do doador, caso o donatário venha a falecer antes dele (está prevista expressamente no artigo 547 CC).
Doação conjuntiva é a que se faz em comum a mais de uma pessoa, distribuindo-se porção entre os beneficiados, que será igual para todos, se o contrário não for estipulado, admitindo direito de acrescer (CC, art. 551).
- CLÁUSULAS RESTRITIVAS
Na doação, os proprietários dos bens (doadores) podem impor cláusulas com a finalidade de proteger o patrimônio doado. As cláusulas e seus significados são os seguintes:
Incomunicabilidade – O bem doado não se comunica ao cônjuge (ou futuro cônjuge) do beneficiado pela doação (donatário).
Inalienabilidade – Impede que o beneficiado (donatário) venda o bem doado.
Impenhorabilidade – Protege o patrimônio que é objeto da doação, de dívidas do próprio beneficiado pela doação (donatário).
Há algumas restrições legais previstas à doação, dentre elas destacamos as seguintes:
=> doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente para a subsistência do doador é nula, conforme artigo 548 do Código Civil.
=> é nula a doação de bens ou valores que ultrapassem ao patrimônio que o doador poderia dispor no momento da liberalidade, ou seja, a doação que exceder a 50% do valor do seu patrimônio, quando possuir herdeiros necessários, conforme artigo 549 do Código Civil.
=> é anulável a doação feita por doador insolvente, conforme artigo 158 do Código Civil.
- ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO
A Escritura Pública de Doação é o ato feito e assinado em Tabelionato de Notas por meio do qual uma das partes doa determinado bem – móvel ou imóvel – para outra.
Atenção: geralmente a doação é gratuita, mas também pode ser onerosa, ou seja, pode ser estipulada uma contraprestação, como por exemplo, o compromisso de se construir uma escola no terreno doado.
Como é feita?
A escritura de doação deve ser agendada com o tabelião ou com um de seus escreventes, sendo recomendável que a parte faça o agendamento pessoalmente para entregar a documentação que possui e ser orientada sobre a necessidade de reunir outros documentos.
Na data marcada, as partes comparecerão ao tabelionato de notas, munidas de seus documentos pessoais originais, para assinar a escritura. A assinatura da escritura será feita por todas as partes no mesmo momento. Aquele que vai receber o bem em doação também precisa estar presente, para aceitar o bem doado, exceto quando for doação pura para pessoa absolutamente incapaz.
A escritura pública é obrigatória para a transferência de bens imóveis de valor superior a 30 salários mínimos.
Atenção: depois de lavrada a escritura de doação do imóvel, ela deve ser registrada no cartório de Registro de Imóveis. Você pode solicitar que o próprio tabelionato providencie esse trâmite junto ao registro imobiliário. Somente depois do registro a propriedade fica de fato transferida à pessoa do donatário.
- DOCUMENTOS NECESSÁRIOS
Caso o doador seja pessoa física:
Número do CNPJ para obtenção da certidão via internet;
– Fotocópia autenticada do contrato ou estatuto social, última alteração e alteração em que conste modificação na diretoria;
– Certidão Conjunta de Débitos da Receita Federal (PGFN);
– Certidão Negativa de Débitos (CND) do INSS;
– RG, CPF, profissão e residência do diretor, sócio ou procurador que assinará a escritura;
– Certidão da junta comercial de que não há outras alterações
Caso o doador seja pessoa jurídica:
– Número do CNPJ para obtenção da certidão via internet;
– Fotocópia autenticada do contrato ou estatuto social, última alteração e alteração em que conste modificação na diretoria;
– Certidão Conjunta de Débitos da Receita Federal (PGFN);
– Certidão Negativa de Débitos (CND) do INSS;
– RG, CPF, profissão e residência do diretor, sócio ou procurador que assinará a escritura;
– Certidão da junta comercial de que não há outras alterações
Documentos do donatário:
– Fotocópia do RG e CPF, inclusive dos cônjuges (e apresentação do original);
– Certidão de Casamento: se casado, separado, divorciado ou viúvo;
– Pacto antenupcial registrado, se houver;
– Certidão de óbito;
– Informar endereço;
– Informar profissão;
Atenção: o cônjuge deve ter CPF individual próprio. Se a doação for feita em favor de filho menor incapaz, ele também deverá ter CPF próprio.
Se o casal for casado sob o regime da comunhão universal, da separação total ou participação final dos aquestos, é necessário o prévio registro do pacto antenupcial no cartório de Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.
Documentos dos bens móveis:
No caso de bem móvel, deve ser levado ao tabelionato documento que descreva o bem e de onde se possa apurar seu valor, por exemplo, documento do carro e valor nos termos da tabela FIPE.
Caso o bem não possua documento específico, como joias, máquinas e outros, o vendedor descreverá o bem e declarará o valor.
Atenção: se a doação for de quotas ou ações de determinada empresa é importante que seja apresentado o balanço patrimonial.
Documentos dos bens imóveis:
Urbano – Casa ou Apartamento:
– Certidão de matrícula ou transcrição atualizada no momento da assinatura da escritura (prazo de 30 dias a partir da data de expedição);
– Certidão de quitação de tributos imobiliários;
– Carnê do IPTU do ano vigente;
– Informar o valor da doação.
Rural:
– Certidão de matrícula ou transcrição atualizada (prazo de 30 dias a partir da data de expedição). A certidão deve estar atualizada no momento da lavratura da escritura, e não no momento da entrega dos documentos no cartório;
– Certidão de regularidade fiscal do imóvel emitida pela Secretaria da Receita Federal;
– CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural;
– 5 (cinco) últimos comprovantes de pagamento do ITR – Imposto Territorial Rural;
– DITR – Declaração do Imposto sobre a Propriedade Rural;
– Informar o valor da doação.
- ITCD (Imposto sobre transmissão mortis causa e doação)
O ITCD em Goiás teve alíquotas aumentadas a partir de 1º de Janeiro de 2016. Agora, se o quinhão recebido pelo donatário valer mais de R$ 200 mil, a alíquota aumenta de 4% para 6% até R$ 600 mil. Caso o quinhão ultrapasse R$ 600 mil, a alíquota passa a ser de 8%.
Então é importante se atentar para quando ocorre o fato gerador do imposto, pois caso ocorra em 2016 haverá a incidência já das novas alíquotas.
Quanto às doações, entretanto, é que temos um grande “problema” a quem não registrou antes do início de 2016.
O fato gerador da doação é a transmissão efetiva do bem. Ou seja, só existe doação no momento da transmissão do bem.
E a transmissão de imóvel só ocorre pelo registro do negócio no Cartório de Registro de Imóveis (salvo o caso de morte, acima citado, e da usucapião). A propósito, veja-se, exemplificativamente, julgado do Supremo Tribunal Federal no ARE 805.859-AgR/RJ.
Então a conclusão é a de que quem providenciou a lavratura da escritura de DOAÇÃO mas não a registrou antes de 2016 verá a incidência de alíquotas de 6% ou 8% conforme o quinhão tenha o valor de mais que, respectivamente, R$ 200 mil e R$ 600 mil.
Para quinhões avaliados pelo Estado (AGENFA) em até R$ 200 mil, nada muda.
E a Gerência de Tributação e Regimes Especiais da SEFAZ-GO emitiu o Parecer n. 363/2015, no Processo n. 201500004051544, em 23 de dezembro de 2015 assentando que mesmo quem já pagou ITCD antes em doações de quinhões avaliados em mais de R$ 200 mil, mas não registrou, deverá retornar à AGENFA para que seja emitida guia com a diferença, que deverá ser paga para poder registrar o negócio, ou seja, para poder concretizar efetivamente a doação, transmitindo o imóvel (o Parecer está disponível abaixo).
Observe-se que a lei estadual n. 19.021/15 que alterou as alíquotas é de 1º de outubro de 2015, entrando em vigor apenas em janeiro de 2016 ante o respeito ao princípio tributário da anterioridade (as novas alíquotas só podem entrar em vigor noventa dias depois, e no ano posterior), evitando-se surpresa ao contribuinte, que, assim, teve tempo de se planejar e providenciar o registro da escritura de doação.
Uma das atribuições dos cartórios é justamente a de fiscalizaçào tributária, nos termos do art. 289 da Lei n. 6015/73 e também do art. 30, XI, da Lei n. 8.935/94, e art. 134, VI, do CTN (Código Tributário Nacional).
Assim, cartórios deverão exigir a observância do Parecer da SEFAZ, devendo haver o pagamento da diferença, caso incidente, para obtenção do registro.
Logo, a tabela ficou assim:
I – de 2%, quando o valor da base de cálculo for até R$ 25 mil;
II – de 4%, sobre o valor que exceder a R$ 25 mil até R$ 200 mil;
III – de 6%, sobre o valor que exceder a R$ 200 mil até R$ 600 mil;
IV – de 8%, sobre o valor da base de cálculo que exceder a R$ 600 mil.
Outros documentos:
– Procuração de representantes. Prazo: 90 dias. Se a procuração for feita em cartório de outra cidade, deve apresentar firma reconhecida do oficial que a expediu;
– Substabelecimento de procuração. Prazo: 90 dias. Se feita em cartório de outra cidade, deve apresentar firma reconhecida do oficial que a expediu;
– Alvará judicial original, se for necessário para o caso concreto.
- DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO
Na doação com reserva de usufruto transmite-se somente a nua-propriedade para o donatário, sendo que o usufruto fica reservado ao doador. Isso significa que o doador tem o direito permanecer no uso e no gozo do imóvel pelo prazo estipulado, que pode ser vitalício..
Bibliografia
Luiz Guilherme Loureiro, Registros Públicos, Teoria e Prática, 8ª edição, Editora Juspodivm, 2017;
Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, 12ª edição, 2006;
Nelson Nery Junior e Rosa Maria, Código Civil Comentado e legislação extravagante, 3ª edição, 2006;
Silvio de Salvo Venosa, Código Civil Interpretado, Atlas, 2010.
FONTE: Colégio Notarial do Brasil – Seção de São Paulo
Arisp