O termo “cartório” é o usualmente mencionado pela população quando há o objetivo de referência ao prestador do serviço notarial ou registral.

Ninguém diz que vai ao prestador de serviço de notas ou de registros públicos. Todos falam que vão ao “cartório” e, quando assim o fazem, não resta dúvida ao interlocutor que recebe a mensagem, pois o termo está amplamente consagrado na sociedade.

E é bastante provável que se alguém disser que vai a uma “unidade de serviço notarial ou registral” terá que explicar melhor ao seu interlocutor o que quis dizer.

Outra referência comum, e essa é chancelada inclusive por atos normativos estatais, é a de “cartório extrajudicial”. Talvez seja até daí que, por uma supressão do adjetivo, consagrou-se popularmente o termo “cartório” da forma acima mencionada.

Certo é, entretanto, que tal expressão não é a tecnicamente correta quando se pretende mencionar as atividades registrais e notariais.

Etimologicamente, conforme o dicionário Houasis (2001), a palavra traduz a junção de “carta” (na acepção de “papel”) com “ório”, como se fosse uma especialização de escritório[1]. Apesar de não estar o caráter público do referido “escritório” presente na origem etimológica, mesmo o uso popular da linguagem repudia o termo “cartório” como designação de um escritório meramente privado. Ninguém diz, por exemplo, que vai ao cartório de um advogado, contador, ou outro profissional liberal.

Pode-se dizer, então, que “cartório” é o termo usualmente utilizada para indicar o local em que há o exercício do mister público de arquivo e movimentação de documentos[2]. E esse local pode se referir a serviços públicos judiciais (cartórios de varas, de distribuição, de contadoria, etc.) ou extrajudiciais (notas, registros e juízos de paz).

O serviço notarial e registral, por sua vez, é a atividade prestada. Assim, a atividade não se confunde com o local em que é exercida, pelo que se revela tecnicamente incorreto referir-se apenas a “cartórios” em produções acadêmicas ou manifestações jurídicas quando se pretende discorrer sobre o serviço notarial ou registral.

O termo “cartório”, por indicar um lugar, chega mesmo a traduzir a odiosa idéia de patrimonialidade do serviço público, ou seja, como se alguém fosse seu proprietário.

É inclusive comum a referência a um delegatório notarial e/ou registral como “dono de cartório”. Entretanto, o delegatório até poderá ser considerado um “dono de cartório” se for o proprietário do imóvel em que presta o serviço público delegado, mas nunca será o “dono do serviço”. E quando o serviço for prestado em imóvel de terceiro não será dono do serviço, nem do cartório. Aí, supondo-se um aluguel do imóvel, teria que ser chamado de “locatário de cartório”.

Veja-se que, em essência, a construção popular se mostra sábia pois o termo “cartório” é costumeiramente utilizado justamente para indicar onde está localizado o espaço físico em que o serviço notarial e/ou registral é prestado (geralmente se diz que alguém irá, ou foi, a um cartório, ou, ainda, “onde fica o cartório”).


[1] Disponível <https://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=cart%F3rio&stype=k> Acesso em 5 dez. 2009.

[2] Registre-se que por “documentos” não se deve entender apenas papéis, como se levou em consideração na inspiração etimológica, mas sim por todo tipo meio de arquivamento de informações, seja fisicamente (papéis), seja por meio da informática. Nos dias atuais, e como cada vez mais irresistivelmente se proliferará, o arquivo eletrônico é essencial para a guarda de informações de qualquer atividade profissional, especialmente daquelas que têm por objeto exatamente o arquivo e conservação das mesmas.

São prestados de forma privada por profissionais de direito aprovados em concurso público.

Os serviços prestados em cartórios extrajudiciais podem ser notariais ou registrais.

Devem, conforme o art. 236 da nossa republicana Constituição de 1988, ser prestados por pessoas aprovadas em concurso público. Devem, portanto, ser prestados por particulares, os quais são orientados e fiscalizados pelos Tribunais de Justiça.

O Estado delega aos aprovados o exercício destes importantes serviços. É uma delegação de serviço público, bastante semelhante à concessão de outros serviços como telecomunicações, rodovias, energia, etc.

Uma das diferenças para esses outros serviços é que a escolha do outorgado se dá por concurso público, em vez de licitação, mas ambos os procedimentos denotam a mesma razão: a escolha imparcial dos interessados mais aptos para a consecução do serviço a ser delegado.

O aprovado, ao receber a outorga do serviço, deve prestá-lo de forma eficiente e adequada à população. Para tanto, deve arcar com todos os custos, e responsabilidades, da organização do serviço, e, em troca, é remunerado por taxa, cobrada de quem usa o serviço (são os emolumentos). E junto com os emolumentos, há também a cobrança de taxas do Poder Público (cobradas em razão do dever de fiscalização – poder de polícia) e também de imposto sobre serviços. É semelhante ao que ocorre com o usuário de energia elétrica, de telefone, ou de rodovias com pedágios, que paga tarifas.

São denominados de tabeliães (ou notários), e oficiais registradores.

No direito administrativo, costuma-se classificá-los como agentes particulares colaboradores da Administração, ao lado de concessionários e permissionários de serviços públicos. Veja-se o que diz o renomado administrativista José dos Santos Carvalho Filho:

Como informa o próprio nome, tais agentes, embora sejam particulares , executam certas funções especiais que podem se qualificar como públicas, sempre como resultado do vínculo jurídico que os prende ao Estado. […]

Clássico exemplo são os jurados […]. São também considerados agentes particulares colaboradores os titulares de ofícios de notas e de registro não oficializados (art. 236, CF) e os concessionários e permissionários de serviços públicos (CARVALHO FILHO, 2004,p. 485). Grifo nosso.

 

Não são servidores públicos, portanto não se aplica aos notários e registradores o regime daqueles, como já há muito assentado pelo STF, como se vê, por exemplo, no seguinte julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros , do Distrito Federal e dos Municípios — incluídas as autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não-privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (STF, Pleno, ADI 2602/MG, j. em 24.11.2005, DJ de 31.3.2006, p. 6) (grifos próprios).

É essa a forma de prestação deste serviço que prevalece no mundo ocidental.

Essa forma privada de prestação é uma das mais modernas do mundo, derivada de muitas nações desenvolvidas, obtendo grande sucesso na obtenção eficiente de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, além de em muitos casos servir como forma de constituição de direitos.

Aqui no Brasil se adota o sistema do chamado “notariado latino“, e é o que vem prevalecendo pelo mundo ocidental, o qual, conforme sistematização feita pelo notário argentino José Adrian Negri, pode ser tido como fundado nas seguintes balizas: o notário deve ser necessariamente uma pessoa com qualificação jurídica (bacharel em direito ou equivalente); o notário atua, com fé pública, assessorando as partes juridicamente, amoldando as suas vontades às possibilidades do ordenamento jurídico; deve haver a limitação do número de notários pelo Estado conforme as necessidades da sociedade; deve haver seleção por concurso de provas e títulos para a habilitação como notário; autonomia institucional do notariado; garantia de inamovibilidade; remuneração pelo usuário conforme tabelas previamente estipuladas pelo Estado; aposentadoria facultativa (NEGRI apud SILVA, 1979, p. 39-41).

A opção entre a forma privada ou estatizada da prestação do serviço deverá se dar conforme o modo de produção de riquezas adotado pelo país.

É o que bem pontua Leonardo Brandelli (2007):

um sistema que tolha a propriedade privada e a liberdade de contrato terá as funções notariais exercidas pelo próprio Estado, seja através do Poder Executivo, seja através do Poder Judiciário, por funcionários seus, como ocorreu na extinta União Soviética (BRANDELLI, 2007, p. 62).

É por isso que o notariado latino, como afirma Brandelli (2007), é adotado por “mais de setenta países do mundo, como, por exemplo, Espanha, Itália, França, Portugal, Alemanha, Áustria, Albânia, Bélgica, Canadá, Japão, Luxemburgo, Mônaco, México, Argentina e Vaticano, entre outros” (BRANDELLI, 2007, p. 69).

Como diz o desembargador paulista Aliende Ribeiro, crítica quanto à natureza privada de tal atividade é feita no Brasil sem a prudência de maiores estudos:

À falta de estudos relativos à aplicação do direito administrativo às notas e registros públicos, identifica-se na doutrina brasileira sobre direito registral e notarial a presença de questionamentos críticos quanto a uma indevida administrativização de tais serviços, do que poderia resultar a perda da autonomia e independência jurídica dos profissionais oficiais dedicados a estas atividades (RIBEIRO, 2009, p. 85).

Entretanto, é sempre importante se assentar que, apesar desse caráter privado da atividade, garantidor de independência aos profissionais que a exercem, há um vínculo com o Estado, que é o verdadeiro titular da atividade e, assim sendo, procede à sua outorga, fiscalização, e declaração de vacância.

Exemplo trágico de prestação pública do serviço de Cartório Extrajudicial no Brasil.

Um trágico exemplo de prestação pública direta desse serviço ocorre no Estado da Bahia, onde até há pouco tempo atrás era necessário se chegar de madrugada aos cartórios para pegar senha, e, caso se conseguisse atendimento, deveria se aguardar longo prazo, muito acima dos legalmente previstos, para a prática dos atos solicitados. Felizmente, o Estado da Bahia, último que prestava de forma pública este serviço no Brasil, agora segue a tendência moderna e está em meio a um concurso para aprovação de particulares para os quais será delegada a prestação destes serviços.

Veja-se a seguinte reportagem que bem retrata essa terrível situação: https://g1.globo.com/bahia/noticia/2011/07/populacao-chega-de-madrugada-para-pegar-senhas-em-cartorio-de-salvador.html

Enfim, infelizmente é difícil, como contribuintes, encontrar um bom serviço prestado diretamente pelo Poder Público. Os cartórios extrajudiciais no Brasil se encontram já no moderno contexto de gestão privada, o que permite a prestação mais eficiente do serviço. Isso é notado principalmente em cartórios assumidos por aprovados imparcialmente em concursos públicos.

Referencias:

BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

RIBEIRO, Luís Paulo Aliendi Ribeiro. Regulação da Função Pública Notarial e Registral. São Paulo: Saraiva, 2009.

SILVA, Antônio Augusto Firmo da. Compêndio de temas sobre direito notarial. São Paulo: Bushatsky, 1979.

Os cartórios extrajudiciais são divididos em:

  1. Cartórios de Registro de Imóveis: nos quais se praticam registros e averbações de ocorrências havidas em todo imóvel e também se presta informações, por meio de certidões, sobre esses;
  2. Tabelionatos de Notas: nos quais se lavram escrituras, autenticam-se fatos e documentos, e também reconehce-se firmas;
  3. Tabelionatos de Protestos: onde se protestam títulos executivos não adimplidos;
  4. Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais: nos quais se registra nascimento, casamento, óbito, interdição, etc;
  5. Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas: nos quais se registram pessoas jurídicas não empresárias;
  6. Cartórios de Registro de Títulos e Documentos: onde se registram quaisquer documentos;
  7. Cartórios de Distribuição: existente apenas em poucas comarcas, distribuem títulos a outros cartórios e expedem certidões dessa informação.

Fonte: Lei n. 8.935/94 (Lei dos Notários e Registradores)

Os serviços prestados pelos tabeliães e oficiais registradores são extremamente importantes para garantir a segurança jurídica nos negócios celebrados e promover a prevenção de litígios na sociedade, e, ainda, auxiliam eficientemente o Estado em suas políticas públicas, com, entre outras, as seguintes medidas:

  • Orientação técnico-jurídica aos interessados;
  • Formalização jurídica correta aos objetivos dos interessados, garantindo a validade e eficácia de suas manifestações de vontade;
  • Conferência da apresentação da documentação legalmente exigida para cada negócio ou ato jurídico pretendido;
  • Conferência e atribuição de autenticidade a documentos e fatos;
  • Publicidade às informações contidas em seus arquivos, possibilitando que qualquer interessado as consulte;
  • Fiscalização do recolhimento de tributos;
  • Promoção da cidadania, ao combater o sub- registro de nascimentos;
  • Fonte de informações fundamentais para a adoção de políticas públicas em geral.