Artigo: Titulares de cartórios não custam um centavo para o governo
Confira a opinião do tabelião Naurican Lacerda, Tabelião de Protesto e Oficial Registrador do 1º Tabelionato de Protesto e Registro de Títulos e Documentos de Goiânia-GO e Vice-presidente da ATC-GO
Recentemente foi veiculada em uma revista especializada em economia a equivocada notícia de que os titulares de cartório seriam a profissão pública com os maiores rendimentos no Brasil. Infelizmente, mais uma vez, o desconhecimento de como funcionam os cartórios fez com que o estudo contivesse grandes equívocos que levaram a essa falsa conclusão. Com a correção devida, vê-se que os rendimentos médios dos titulares de cartório são da mesma ordem ou inferiores aos rendimentos de outras profissões jurídicas, mas em regime completamente diverso. Os titulares de cartório não custam um centavo aos cofres públicos e sequer têm direito a aposentadoria integral. Ao contrário, os cartórios geram R$6 bilhões para a União, Estados e Municípios todos os anos, ajudando a combater o déficit fiscal .
Apesar dos cartórios funcionarem quase como empresas, os responsáveis são tributados como pessoas físicas. Assim, tudo o que é cobrado do usuário aparece nos dados da Receita Federal como se fosse rendimento do cartorário, mas não é isso o que ocorre. Por não observar tal singularidade, o pesquisador José Roberto Afonso do IBre/ FGV considerou as arrecadações dos cartórios como se fossem rendimentos dos titulares, sem retirar as despesas do livro-caixa contido no relatório “Grande Números” da Receita Federal.
Do total arrecadado pelos cartórios, cerca de 40% vão para as diversas esferas de governos: União, estados e municípios. Além disso, todas as despesas dos cartórios são declaradas pelo seu titular juntas com seus rendimentos e não foram abatidas dos “rendimentos dos titulares de cartórios”.
Nessas despesas, estão os salários de todos os empregados do cartório, cerca de 60 mil em todo o Brasil. Os salários de todas essas pessoas foram incluídos como se fossem remuneração dos titulares. Isso é como somar o salário de todos os que trabalham em um gabinete e considerar como sendo salário do promotor ou do juiz.
Retirando os valores do livro-caixa (que são as despesas dos cartórios e repasses aos governos), vê-se que o rendimento médio dos titulares de cartórios seria da ordem de R$480.000 por ano, abaixo de outras profissões jurídicas custeadas pelo Estado e com aposentadoria integral (ao contrário dos cartórios).
Além disso, de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça, cerca de 1.100 cartórios tiveram receita bruta anual inferior ao valor de R$26.816,55 em 2014, que era o valor mínimo para haver a obrigação de se declarar o imposto de renda naquele ano de 2015. Desses, muitos provavelmente tiveram prejuízo no ano, não tendo sequer rendimento.
Para se obter um média de rendimentos, não podemos excluir os valores mais baixos, ou teremos uma média acima da real. Assim, além de se retirar os repasses aos governos e as despesas dos cartórios, temos de incluir no total os dados desses cartórios menores.
Fazendo essas correções, chegamos a valores anuais menores que R$400.000,00, que são inferiores aos que constam no estudo para outras carreiras jurídicas, conforme consta na notícia veículada:
“Promotores e procuradores do Ministério Público ganham anualmente, em média, quase R$ 530 mil. Juízes e integrantes dos tribunais de contas, mais de R$ 512 mil.”
Por fim, a matéria jornalística ainda comparou a arrecadação bruta de todos os cartórios com o lucro de uma única empresa, a Ambev. Não se pode comparar arrecadação com lucro. Se fosse assim, poderíamos dizer o governo brasileiro como um todo tem lucro de R$ 2 trilhões por ano, quando sabemos que existe déficit.
Cada ato feito em cartório põe o risco todo o patrimônio do tabelião que, ao contrário de outras funções jurídicas, responde ilimitadamente por qualquer falha no ato realizado. No custo do registro de uma escritura está embutido o valor de um seguro vitalício, que, nos Estados Unidos, por exemplo, precisaria ser pago todo ano e não somente uma vez. Quando se fala que grandes cartórios têm muitas receitas se esquece que eventual resultado positivo serve para pagar esse seguro que, em média, não chega a 0,1% do valor do ato. Qual outro seguro de transação é tão baixo?
Os titulares de cartório não têm direito a salário ou aposentadoria integral, mas ao resultado do cartório no mês, que pode ser negativo, como ocorre em uma empresa. Há muito mais responsabilidade civil do que um servidor público, pois eles são responsáveis não somente por todas as despesas como por qualquer erro de seus colaboradores. Seria como se um juiz tivesse que indenizar qualquer falha, intencional ou não, cometida por um funcionário da vara judicial, o que sabemos que não ocorre.
Quando se fala em cartórios, somente se pensa nos poucos cartórios grandes que, por realizarem muitos atos, arrecadam mais, esquecendo-se que a imensa maioria possui renda muito menor. É o mesmo que achar que todo jogador de futebol tem o mesmo salário.
Os cartórios brasileiros são desconhecidos da maioria da população. Mas o que todos sabemos, e pesquisa Datafolha de 2016 comprovou, é que são a instituição em que o brasileiro mais confia.
* Naurican Lacerda é Tabelião de Protesto e Oficial Registrador do 1º Tabelionato de Protesto e Registro de Títulos e Documentos de Goiânia-GO; Vice-Presidente da ATC-GO; Presidente do Instituto Cartórios por um Brasil Melhor e Mestre em Direito Constitucional pelo IDP.
FONTE: IRIB