Depois, foi a Lei 11.441/07, que permitiu a realização de inventário, partilha, separação e divórcio por escritura pública. O referido texto legal é um verdadeiro marco na legislação nacional, na medida em que permite a desjudicialização de tais demandas e traz uma maior celeridade nesses casos. “Segundo informações do Colégio Notarial, desde 2007, já foram lavrados nos cartórios de notas do país mais de 700 mil atos: 432.746 inventários, 2.801 partilhas, 21.371 separações, 243.453 divórcios. Partindo do pressuposto que em um divórcio ou em um inventário estão envolvidas no mínimo duas partes, os benefícios da lei atingem pelo menos 1,5 milhões de pessoas.”[1]
Agora, no mesmo caminho, vão o novo Código de Processo Civil e a Lei 13.140/15, recém sancionados e que prometem, ao exemplo das duas leis acima citadas, reduzir de forma significativa a grande quantidade de processos que se arrastam na Justiça.
O novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em março de 2016, além de prever a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da usucapião como um mecanismo a desafogar o Judiciário e dar celeridade às demandas sociais, traz como principal mudança a ampla instigação à autocomposição, colocando entre as normas fundamentais do processo civil o dever do Estado de incentivar a solução consensual dos conflitos. Para isso, o novo Diploma Legal prevê que todos os Tribunais deverão ter centros judiciários de solução consensual de conflitos, objetivando a realização de sessões e audiências de conciliação e mediação (artigo 165), bem como estimula a solução extrajudicial de conflitos, através da conciliação e mediação vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes (art. 175).
A Lei 13.140/15, a chamada “Lei da Mediação”, sancionada apenas três meses depois do novo Código de Processo Civil, também determina que os tribunais criem centros judiciários de solução consensual de conflitos e também estimula a mediação privada como meio de desjudicializar parte dos conflitos apresentados perante o Poder Judiciário. Ao lado do novo Código de Processo Civil, a Lei 13.140/15 consolida uma política pública de consensualização e desjudicialização do Poder Judiciário, com o objetivo de alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca por soluções mediante a construção de acordos.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, já afirmou que a solução para desafogar o Judiciário está no incentivo a meios alternativos de solução de conflitos. Segundo ele, “temos que sair de uma cultura de litigiosidade e ir para uma cultura de pacificação. E isso será feito pela promoção de meios alternativos de solução de controvérsias, como a conciliação, a mediação e a arbitragem.”[2]
Neste cenário, de uma política pública de pacificação social e de prevenção de litígios, os notários são peça fundamental. O Notariado Brasileiro filia-se à tradição do Notariado Latino, que consiste, basicamente, em técnica de tutela “ex ante”, ou seja, pré-processual, de atribuição de fé pública ao instrumento que emane da vontade das partes. O objetivo é evitar a formação de conflitos, processos ou litígios decorrentes do cumprimento das declarações de vontade lavradas em escrituras públicas. “Assim, o Notariado Latino não apenas funciona como pilastra de estabilização das relações jurídicas, redução de custos de transação e fonte de produção de direitos, como revela automática – e, na verdade, antiga e tradicional – capacidade adaptativa para tratar das formas alternativas de resolução de conflitos, especialmente a mediação e a conciliação.”[3]
Na verdade, mediar e conciliar são atribuições inatas aos notários. Como bem salienta Celso Fernandes Campilongo, “o regime jurídico da atividade notarial diz respeito à “formação da forma”. Afirma a lei: compete aos notários “formalizar” a “vontade” das partes (art. 6º, I, da Lei 8.935/94), ou seja, organizar a formação da forma. Que “vontade”? Qualquer vontade admitida pela ordem jurídica. Muito especialmente a vontade formalizada por mediação.”[4]
A resolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, desde 2010, já reconhecia, ao lado das técnicas públicas de mediação e conciliação (relacionadas aos processos judiciais), fórmulas privadas de solução de conflitos, através da parceria com entidades públicas e privadas (artigos 3º e 5º). Agora, o novo CPC e a Lei 13.140/15 vieram consolidar esta política, prevendo a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, mas, também, estimulando a mediação privada como meio de desjudicializar parte dos conflitos apresentados perante o Poder Judiciário.
Se alguma dúvida pairava sobre a possibilidade dos notários realizarem conciliação e mediação, a exemplo do que ocorreu na edição do Provimento nº 17/2013, da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, que autorizou e implementou os serviços de mediação e conciliação nas Serventias Extrajudiciais do Estado de São Paulo, mas que teve sua eficácia suspensa, tal dúvida, ao nosso entender, foi fulminada pelo novo CPC e, especialmente, pelo texto da Lei 13.140/2015. O parágrafo único do artigo 1º da Lei da Mediação prevê que “considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. Já o artigo 9º deixa claro que “poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.” (grifo nosso)
Ora, quem melhor que o notário para ser o “terceiro imparcial”, para ser a “pessoa de confiança das partes” na solução de seus conflitos? “O notário é verdadeiro “engenheiro” das soluções consensuais, exatamente como faz o melhor dos mediadores!”[5] Notários gozam de fé pública e de altas garantias de imparcialidade e neutralidade, são elevados à sua função por concurso público, o que garante seu rigor técnico e profissional, têm deveres relativos à confidencialidade, sigilo e publicidade dos atos, coordenam, autenticam e legitimam os interesses dos contratantes, assegurando a eficácia jurídica necessária à correta aplicação dos direitos gerados pelo acordo de vontades, possuem experiência no tratamento de conflito de direitos e procedimentos para sua resolução, estão submetidos a rígidos controles de responsabilidade e gozam da confiança das partes.
As escrituras públicas, por si só, já são prova da eficiência da atividade notarial no desafogamento do Judiciário, pois basta dar uma olhada nos repositórios de jurisprudência para verificar a inúmera quantidade de litígios que pendem sobre os atos de contratação privada, enquanto são raras as revisões judiciais de escrituras públicas. Isso sem falar nos inventários, nas partilhas, nos divórcios e nas separações lavrados em todos os cartórios do país desde o advento da Lei 11.441/07. Em oito anos, a atividade notarial possibilitou que o Judiciário recebesse 700 mil processos a menos! Imaginemos, então, a significativa contribuição que os notários poderão dar para a política pública de consensualização e desjudicialização do Poder Judiciário quando começarem a realizar mediações e conciliações nos Tabelionatos?
O notário é o instrumento efetivo de pacificação social, de solução e de prevenção de litígios. A sua atuação na mediação e na conciliação, além de trazer uma solução que gozará de fé pública, primará pelo respeito às leis vigentes e terá confidencialidade, reduzirá a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças.
* José Flávio Bueno Fischer, 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB-CF e membro do Conselho de Direção da UINL