Alienação Fiduciária de Imóvel: Garantia fomentadora do crédito amparada na eficiência dos Cartórios Extrajudiciais
A Lei n. 9.514/97 está inserida no contexto de desjudicialização que vem soltando as amarras da burocracia que sempre incomodaram os brasileiros.
Antes da alienação fiduciária de imóveis, quem quisesse tentar obter crédito para abrir novos negócios tinha muito mais dificuldades, pois a garantia que normalmente dava para o banco era a hipoteca.
O problema é que, em caso de inadimplemento, a hipoteca apenas garante o direito de a penhora em execução judicial recair sobre o imóvel. Isto é, o credor tem que ajuizar uma ação judicial de execução, onde há citação, oportunidade de impugnação e embargos por parte de devedor, depois, se tudo der certo, penhora do imóvel, e, após, leilão, arrematação, expedição de carta de arrematação, para finalmente levar ao cartório de Registro de Imóveis e registrar a carta e ter a disponibilidade do imóvel.
Isso, conhecendo-se o nosso Judiciário, sabemos que dura anos. Então este custo e tempo que fatalmente seriam despendidos pelo banco inflava os seus custos contratuais e de seus juros. A dificuldade de aprovação de concessão de crédito era inclusive maior, pois nenhum credor em sã consciência gostaria de ter que passar por todos os dissabores da espera do fim de um processo judicial.
E foi aí que, em 1997, com a Lei n. 9.514, criou-se no Brasil mais um instituto que serve para o credor ter imóveis do devedor afetados à garantia de seu crédito: a alienação fiduciária de imóvel (à semelhança do que já se via há muito tempo com veículos, nos termos do Decreto n. 911 de 1969).
Este instituto “deu um banho” de agilidade na hipoteca e acabou se transformando na ”queridinha” dos bancos, sendo todo o seu procedimento levado a efeito no cartório de Registro de Imóveis.
A partir de então, o imóvel é desde logo alienado ao credor. Alienado “fiduciariamente”, isto é, em confiança para garantir um crédito. Com o registro da alienação fiduciária o devedor virará desde logo dono do imóvel. Mas dividirá esta propriedade com o credor até a quitação da dívida. Quando quitar a dívida, basta levar o termo de quitação assinado pelo credor ao cartório de Registro de Imóveis e pronto: será proprietário pleno do imóvel.
Como se percebe, a grande diferença em relação à hipoteca é a de que o credor já é também proprietário do imóvel. Mas essa propriedade do credor só se consolidará plenamente em suas mãos se o devedor não pagar a dívida.
Como o Direito encara isso: ocorre o que se denomina de “propriedade resolúvel” para o banco. Isso significa que satisfeita uma condição (pagamento da dívida), a propriedade do banco “se resolve” e fica tudo com o devedor. Há, pois, um desdobramento da posse entre o devedor e o credor. O imóvel passa a estar afetado à função de garantir o credor.
Este desdobramento da posse terminará com um desses dois finais:
1 – o devedor paga tudo, pega o termo de quitação e averba no cartório de Registro de Imóveis e todos terminam “felizes para sempre”; ou
2 – o devedor acaba desapontando o credor e não paga o devido, e a propriedade se consolida em nome do credor. O credor, então, leiloa o imóvel, pega o valor da dívida e repassa o que sobrar para o devedor.
Como se dá o final no qual há inadimplência do devedor?
Caso o devedor não pague a sua dívida, será adotado o seguinte procedimento, bastante célere: o credor requer ao cartório de Registro de Imóveis que intime o devedor a pagar em 15 dias. Se pagar, tudo volta ao normal e segue-se o cumprimento do contrato. Caso não pago, opera-se a consolidação da propriedade em nome do credor, o que é feito por uma averbação na matrícula do imóvel. Após, o credor leva o imóvel a leilão. Com o dinheiro recebido, paga-se a dívida e, caso ainda sobre algum valor, esse é repassado ao devedor. Isso está nos arts. 26 e 27 da Lei n. 9.514/97.
E se o cartório não encontrar o devedor para intimar?
Há casos em que o devedor não é encontrado no endereço que forneceu ao credor no momento da contratação. É seu ônus o de mantê-lo atualizado perante o credor.
Assim, caso o devedor não seja encontrado no endereço informado, após três tentativas consecutivas, basta o cartório certificar isso e, então publicar edital. Passado o prazo para pagamento, sem que esse tenha ocorrido, consolida-se a propriedade ao credor e “segue o jogo”.
O art. 26, § 4º, da Lei n. 9.514/97 aduz que caso o devedor esteja “em local ignorado, incerto ou inacessível”, deve ser feita a intimação por edital.
A legalidade da expedição de edital após a não localização do devedor não gera maiores polêmicas, sendo inclusive entendimento já sedimentado no STJ, o qual é o Tribunal responsável pela correta aplicação e uniformização da legislação federal (AgRg no AREsp n. 232.769, AgRg no REsp n. 1.051.064, AgRg no AREsp n. 543.904, etc).
Veja-se, por exemplo, a ementa deste último julgado citado, publicado em fins do ano de 2014:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LEI N. 9.514/97. INTIMAÇÃO PESSOAL. PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. INTIMAÇÃO POR EDITAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO.
- Nos procedimentos extrajudiciais de consolidação da propriedade, intentada a intimação pessoal por três vezes consecutivas e frustradas ante a ausência do mutuário, justifica-se, posteriormente, a intimação por edital, nos termos do art. 26, § 4º, da Lei n. 9.514/97.
- Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ na hipótese em que o acolhimento da tese defendida no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda.
- Agravo regimental desprovido.
- (AgRg no AREsp 543.904/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 28/11/2014).
De fato, não poderia um procedimento tão importante ao desenvolvimento do setor habitacional do país ficar a mercê de atuações postergatórias do devedor. O cumprimento dos contratos é baliza fundamental para o desenvolvimento negocial de qualquer sociedade.
E deve-se lembrar que os oficiais de registro detém fé pública, o que significa que se, por exemplo, o devedor se recuse a assinar a intimação, basta certificar isso e continuar o procedimento.
Tendo em vista a fé pública do oficial de registro público, os magistrados que atuam em processos em que devedores questionam o procedimento da Lei n. 9.514/97 devem decidir sempre partindo da premissa de que o devedor tem o ônus da prova para desconstruir a presunção de veracidade e legalidade dos atos do cartório, sob pena de contribuir para a judicialização de descontentamentos infundados, em prejuízo de todo o sistema facilitador de concessão de crédito que cerca tal instituto.
Autor: Rodrigo Esperança Borba.
Oficial registrador do 4º. Registro de Imóveis de Goiânia/Go (www.4registro.com.br)
Ex-oficial registrador no Mato Grosso do Sul. Ex- juiz federal substituto. Ex- Delegado de Polícia Federal.