Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás exclui a responsabilidade objetiva de notário e oficial, devido a ato praticado por terceiro:
Gabinete do Desembargador Geraldo Gonçalves da Costa – APELAÇÃO CÍVEL Nº 244932-16.2013.8.09.0032 (201392449324) 5ª CÂMARA CÍVEL COMARCA DE CERES APELANTE : FRANCISCA CILENE DE SOUSA 1º APELADO : MARINILCE SIQUEIRA DOS SANTOS SOUZA E OUTRO 2º APELADO : MARCOS MIGUEL DE JESUS RECURSO ADESIVO – (FLS. 534/536) RECORRENTE : MARCOS MIGUEL DE JESUS RECORRIDO : MARINILCE SIQUEIRA DOS SANTOS SOUZA E OUTRO RELATOR : Diác. Dr. Delintro Belo de Almeida Filho Juiz de Direito Substituto em 2º Grau EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO AÇÃO ANULATÓRIA. PROCURAÇÃO FALSA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. MÁ-FÉ DE ADQUIRENTE NÃO COMPROVADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TABELIÃO. EXCLUDENTE. 1. A parte não pode ser condenada com base em suposições, em indícios ou mesmo por condutas criminais passadas, pois a boa-fé se presume e a má-fé se comprova. 2. O notário e oficial registrador desempenham função pública em caráter privado, mediante delegação do poder público, respondendo objetivamente pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, conforme exegese do § 6º do art. 37 combinado com o art. 236, ambos da Constituição Federal e, ainda, art. 22 da Lei 8.935/94. Porém, deve ser afastada a responsabilidade quando a prova de culpa exclusiva de terceiro pelo ato praticado. 3. Afastada a responsabilidade civil da parte recorrida/apelante, resta prejudicado o exame do pedido formulado no recurso adesivo de majoração da indenização por danos materiais. 4. Apelação conhecida e provida, nos termos do artigo 557, §1º-A, do Código de Processo Civil, por estar em consonância com a orientação jurisprudencial deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça. Recurso adesivo prejudicado (art. 557, caput do CPC) DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de apelação cível (fls. 495/518) e recurso adesivo (fls. 249/258) interpostos, respectivamente por FRANCISCA CILENE DE SOUSA e MARCOS MIGUEL DE JESUS contra sentença (fls. 534/536) proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e APELAÇÃO CÍVEL Nº 244932-16.2013.8.09.0032 (201392449324) – 5 Gabinete do Desembargador Geraldo Gonçalves da Costa 3 Juventude e 1ª Cível da comarca de Ceres, Lázaro Alves Martins Júnior, nos autos da ação anulatória ajuizada por MARINILCE SIQUEIRA DOS SANTOS SOUZA em desfavor do recorrente e de QUIRINO PEREIRA DA SILVA, constando como denunciada à lide FRANCISCA CILENE DE SOUSA. A sentença foi proferida nos seguintes termos: “Isto posto, aplico o artigo 269, I do CPC e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DOS AUTORES MARINILCE SIQUEIRA DOS SANTOS e VIMAR JOSÉ DE SOUZA, EXTINGUINDO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, declarando nulo o instrumento de procuração/substabelecimento, do Livro n.º 005, fls. 76, 2º Tabelionato de Notas do Município e Comarca de Ceres – (fls. 37), tendo como outorgante : QUIRINO PEREIRA DA SILVA e outorgado MARCOS MIGUEL DE JESUS, oriunda do instrumento de procuração registrada no Livro 10, fls. 158, Cartório de Registro de Imóveis, Pessoas Jurídicas, Títulos Documentos, Protesto e Tabelionato do Distrito de Nova Glória, Comarca de Ceres, Estado de Goiás, tendo como outorgantes: MARINILCE SIQUEIRA DOS SANTOS SOUZA e seu esposo VILMAR JOSÉ DE SOUZA, e outorgado, QUIRINO PEREIRA DA SILVA (fls. 32), o que se estende aos atos ulteriores de transferência do domínio envolvendo o lote urbano n.º 34, M-N 11590, devendo ser Oficiado ao CRI competente para restabelecer o domínio em nome dos autores e, caso ainda não registrada a escritura proveniente do ato anulado, anotar a impropriedade da mesma para gerar a sucessão no domínio. Reconhecida a boa-fé do réu MARCOS MIGUEL DE JESUS, declaro o mesmo revestido do direito de retenção do imóvel até ser indenizado da obra erguida no terreno pelos autores MARINILCE e VILMAR, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença por arbitramento, evitando o enriquecimento ilícito de quaisquer das partes. Condeno os réus MARCOS MIGUEL DE JESUS e QUIRINO PEREIRA DA SILVA, perante os autores no pagamento das custas e honorários advocatícios, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um, fixando os honorários de sucumbência, com espeque no §4º do artigo 20 do CPC em R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais). Fixo honorários a curadora da lide nomeada em 03 (três) UHDs. Condeno a denunciada da lide FRANCISCA CILENE DE SOUZA a ressarcir ao denunciante MARCOS MIGUEL, a quantia de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais), corrigidos pelo INPC desde o desembolso do valor e acrescidos de juros de mora de 1,0% ao mês a partir da citação no feito, devendo ainda suportar as custas judiciais advindas da denunciação e honorários de sucumbência que fixo em 10% do valor da condenação”. A apelante – FRANCISCA CILENE DE SOUSA, em suas razões (fls. 195/518), narra que foi ajuizada ação de anulatória pelos primeiros apelados em desfavor de Marcos Miguel de Jesus e de Quirino Pereira da Silva, em razão de ter ocorrido fraude na venda de imóvel, sendo chamada a integrar a lide sob fundamento de ser objetiva a responsabilidade do notário pelos atos por ele certificados. Alega que o apelado MARCOS não comprovou que pagou o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) ou R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) pela compra do imóvel. Afirma que o apelado agiu com má-fé, pois entrou em contradição ao dizer que obteve informações sobre o lote com o Sr. Quirino e posteriormente mudar a versão e dizer que foi com o Sr. Leônidas. O apelante, em suas razões (fls. 225/234), relata que por meio de instrumento particular de compra e venda, o apelado adquiriu do apelante um imóvel situado na Rua das Papoulas, nº 25, qd. 95, Setor Oeste Industrial, em Goiânia – GO, em leilão extrajudicial realizado no dia 02/12/2006, pagando por este R$24.000,00 ( vinte e quatro mil reais). Alega que o lote foi posto a venda no final do mês de abril/2013, mas a procuração fraudada foi lavrada em 07/05/2013, o que demonstra a atipicidade do negócio. Continua questionando a boa-fé do apelado, sob os seguintes fundamentos: a) pequeno prazo que o lote ficou a venda; b) o valor do lote estava abaixo do preço de mercado; c) a procuração, que outorgava poderes dos proprietários do lote para o Sr. Quirino, foi lavrada numa cidade próxima e não na própria cidade onde se localiza o imóvel; d) as tratativas sobre a compra e venda foram realizadas com o Sr. Quirino e não com o Sr. Leônidas que tinha disponibilizado o seu número de telefone na placa de “vende-se”; e) o apelado se recusou a dar informações sobre a compra do lote aos proprietários; f) o apelado não exigiu o recibo de pagamento pelo imóvel; g) o pagamento do lote não foi realizado por meio de transferência bancária; h) não houve lavratura de escritura pública de compra e venda descrevendo o valor pago. Assevera que “o apelado MARCOS é um cidadão que possui um indesejável histórico criminal, que teve e tem ação penal em seu desfavor pela prática dos crimes de estelionato (art. 171 do CP), porte de arma do Código de Trânsito Brasileiro – CTB), crimes de trânsito por duas vezes (art. 311 do CTB), e corrupção ativa (art. 333 do CP), tudo conforme folha de antecedentes criminais anexa (doc. 5 da contestação da apelante)” (f. 506). Sobre a responsabilidade civil do tabelião, alega que existe corrente jurisprudencial defendendo a responsabilidade do cartório é subjetiva, necessita de comprovação a respeito da imprudência, negligência ou imperícia. Aduz que “a apelante e nenhum homem médio poderia reconhecer que os documentos apresentados eram falsos ou adulterados, pois para isso, era necessários ser um perito ou ter acesso a um banco de dados nacional para a confrontação dos documentos apresentados, providências que infelizmente ainda não existem em nosso país” (f. 511). Em pedido subsidiário, sustenta a responsabilidade concorrente do apelado. Verbera que o apelado não logou êxito em comprovar com documentação idônea os gastos com a edificação do imóvel, não fazendo jus a indenização pelas perdas e danos. Advoga pelo não pagamento das custas judiciais e verbas de sucumbência, pois não teria oferecido resistência a denunciação da lide. Requer o conhecimento e provimento do recurso. Preparo visto à f. 519. Resposta ao apelo apresentada por Marinilce Siqueira dos Santos Souza e Vilmar José de Souza, às fls. 524/532. O recorrente MARCOS MIGUEL DE JESUS interpõe recurso adesivo (fls. 534/536) alegando que agiu de boa-fé ao comprar o lote e que o testemunho da gerente da Caixa Econômica Federal confirma o pagamento de quantia superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Assevera que “em prestígio à boa-fé do recorrente, aliado às provas dos autos, deve a sentença ser reformada para condenar a recorrida FRANCISCA CILENE DE SOUSA a pagar ao recorrente todo o valor desembolsado, qual seja, R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais)”. Requer o conhecimento e provimento do recurso. Preparo visto à f. 537. Resposta ao recurso de apelação apresentada por Marcos Miguel de Jesus às fls. 540/546. É o relatório. DECIDO. 1. Do Julgamento Monocrático Analisando os autos, verifico a possibilidade de se julgar os recursos nos termos do disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, conforme razões adiante expostas. De se ressaltar que a possibilidade de julgamento monocrático dos recursos, na forma e condições previstas no art. 557 do CPC, afigura-se consentânea com as garantias processuais previstas na Carta Magna, posto que confere efetividade aos princípios da celeridade e economia processual, propicia a uniformização do Direito, bem como fortalece a autoridade das decisões reiteradas dos Tribunais Superiores, sendo ainda possível o controle de sua legitimidade pelo órgão colegiado do Tribunal, mediante interposição de agravo regimental (CPC, art. 557, § 1º). Quanto à matéria, outro não é o entendimento sedimentado na jurisprudência do C. STJ: “(…) A aplicação do art. 557 do CPC não configura restrição ao direito recursal das partes, pois pretendeu o legislador, ao alterar referido dispositivo pelas Leis 9.139/95 e 9.756/98, propiciar maior dinâmica aos julgamentos dos Tribunais, evitando-se, desta forma, enormes pautas de processos idênticos versando sobre teses jurídicas já sedimentadas (…)”. (STJ. 2ª Turma. REsp 969650 / SP. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ em 21.10.2008)” 2. Da apelação interposta por Francisca Cilene de Sousa (fls. 495/518). 2.1. Da ausência de comprovação da má-fé. A apelante sustenta que o Sr. Marcos Miguel de Jesus agiu com má-fé ou com conluio com o fraudador ao comprar um imóvel adquirido de forma ilícita. Afirma que os fatos que demonstram que o segundo apelado não agiu de boa-fé são: a) o lote ficou à venda durante pouco tempo; b) a quantia paga pelo lote é inferior ao seu valor de mercado; c) contradição sobre a pessoa com quem teria negociado o lote; d) ausência da juntada da declaração prestada na fase policial e da escritura pública de compra e venda; e) ausência de recibo ou comprovante de transferência de quantia que diz que pagou pelo e f) antecedentes criminais. Pois bem. Verifico que não ficou comprovada a má-fé do apelante Marcos. Isso porque as suposições acima não são capazes de demonstrar de forma inequívoca que o adquirente do imóvel tinha ciência da forma ilícita da venda. O magistrado singular foi preciso ao excluir a má-fé do segundo apelante. Vejamos: “Não prospera a alegação de que MARCOS MIGUEL agiu em conluio com QUIRINO ou de má-fé. Teve, evidentemente, a intenção de lucrar e efetivar um bom negócio, mas, se tivesse agido de forma premeditada, criminosa, seria singelo depositar a quantia de R$ 35.000,00 ou R$ 40.000,00 fazer o saque através do cheque nominal e após a prévia previsão bancária, com a assinatura de QUIRINO no verso, e ainda munir-se de recibo emitido pelo mesmo, possivelmente até com firma autenticada. Não foi o que aconteceu”. (f. 482). Da leitura do trecho acima e das provas colacionadas aos autos, verificamos que em nenhum momento se comprova que o Sr. Quirino tinha alguma relação com o segundo apelante, ou mesmo foram vistos juntos firmando algum tipo de negócio. A parte não pode ser condenada com base em suposições, em indícios ou mesmo por condutas criminais passadas, pois a boa-fé se presume e a má-fé se comprova. Nesse sentido a jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. NULIDADE NÃO COMPROVADA. INVERSÃO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPROCEDÊNCIA. 1. Não havendo, nos autos, elementos suficientes para demonstrar que houve coação ou dissimulação na assinatura do termo de rescisão contratual referente ao contrato de locação de imóvel firmado entre as partes, não há falar-se em invalidação do negócio jurídico. 2. Para a configuração da má-fé devem estar presentes fortes elementos de prova da atuação dolosa da parte, em prejuízo da parte contrária, pois a boa-fé se presume e a má-fé exige prova substancial. 3. (…) APELAÇÃO CONHECIDA MAS DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, APELACAO CIVEL 232926-85.2011.8.09.0051, Rel. DES. FRANCISCO VILDON JOSE VALENTE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 20/02/2014, DJe 1494 de 27/02/2014) APELAÇÃO CÍVEL Nº 244932-16.2013.8.09.0032 (201392449324) – 5 Gabinete do Desembargador Geraldo Gonçalves da Costa 13 APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. ARTIGO 523 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO CUMPRIMENTO. AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO. ARTIGO 1.048 DO CÓDEX. TEMPESTIVIDADE DA PEÇA EXORDIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CONFIGURADA. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE PRESUMIDA. ÔNUS DA PROVA. MUNUS NÃO ATENDIDO PELO CREDOR/EMBARGADO. I – (…) II – (…) III – (…) IV – A configuração da fraude à execução exige que a ação tenha sido aforada e que haja citação válida do executado, que o adquirente saiba da sua existência, ou por já constar no cartório imobiliário algum registro (presunção juris et de jure contra o adquirente) ou porque o exequente, por outros meios, provou que dela o adquirente tinha ciência, e a alienação ou a oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à insolvência, militando em favor do exequente a presunção juris tantum. V – A partir da construção jurisprudencial consolidada na referenciada súmula, a tese de que a fraude, no caso do inciso II do artigo 593 do Código de Ritos, estaria presumida e de que seria desnecessária, foi afastada, imputando ao credor o ônus de comprovar – salvo quando existente registro público prévio – a má-fé do adquirente, situação não ocorrente na espécie. VI – boa-fé do terceiro adquirente da propriedade rural se presume, enquanto sua má-fé tem que ser provada, ônus que competia ao embargado/exequente, cujo dever não se desincumbiu, ex vi do inciso II do artigo 333 do Códex. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, APELACAO CIVEL 143066-15.2009.8.09.0093, Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 07/10/2014, DJe 1649 de 14/10/2014) 2.2. Da responsabilidade objetiva da tabeliã A apelante defende a responsabilidade subjetiva do cartorário, alegando que deve restar comprovado o dolo ou a culpa para que haja o dever de reparação. Ao contrário do que afirmado, a responsabilidade dos notariais é objetiva. Nos termos do art. 236, CF, que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Já o § 1º do mesmo dispositivo prevê a disciplina da responsabilidade civil e criminal “dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos” por meio de lei, aspecto regulamentado pela Lei nº 8.935/94. Referida norma estabelece em três artigos a sistemática dessa responsabilização, vejamos: Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. Art. 23. A responsabilidade civil independe da criminal. Art. 24. A responsabilidade criminal será individualizada, aplicando-se, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública. Da leitura dos dispositivos acima, extraímos que a responsabilidade é objetiva dos notários em relação aos danos causados a terceiros, voltando-se contra seus prepostos nas hipóteses de terem agido com dolo ou culpa. À evidência, e aí a questão é remansosa, também contra o Estado poderá voltar-se o prejudicado, por alternativa sua, igualmente aplicando-se as regras da responsabilidade objetiva, consagrada no art. 37, § 6º da CF. APELAÇÃO CÍVEL Nº 244932-16.2013.8.09.0032 (201392449324) – 5 Gabinete do Desembargador Geraldo Gonçalves da Costa 16 Para se chegar a tal conclusão, necessário atentar para o uso da expressão “responderão pelos danos”, constante no art. 22 da Lei nº 8.935/94. Fosse essa expressão, no caso, modalidade de responsabilidade subjetiva, e não haveria motivo para a diferenciação a seguir efetuada, no sentido de que, para o exercício do direito de regresso, impor-se-ia a comprovação de dolo ou culpa dos prepostos da Serventia. Ou seja, no caso dos notários, a lei julgou suficiente, por se tratar de responsabilidade objetiva, simplesmente afirmar essa responsabilidade; na hipótese dos prepostos, julgou necessário esclarecer que o direito de regresso só será assegurado em havendo dolo ou culpa por parte dos agentes. Em termos similares, essa é a mesma técnica legislativa que se observa no art. 37, § 6º, CF, que, pacificamente, consagra hipótese de responsabilidade objetiva do Estado. Cite-se: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Verifica-se que o dispositivo legal transcrito equipara as pessoas de direito privado prestadoras de serviço público às pessoas jurídicas de direito público, em matéria de responsabilidade civil. A partir da premissa de que os notários integram o Poder Público e, nessa qualidade respondem pelos danos causados a terceiros, consumidores dos serviços prestados, tem-se que essa responsabilização independerá de comprovação de culpa por parte do titular do serviço notarial ou de seu oficial registrário, até porque essa demonstração é, para o cliente, muitas vezes difícil, senão impossível. Importa, para o cliente, haver buscado determinado serviço notarial, com responsáveis definidos, e nessa Serventia haverlhe sido prestados os serviços solicitados. Tendo sofrido prejuízo por incúria (direta ou indireta) do notário responsável pela Serventia, ou por mera demonstração do dano e do nexo causal com a atividade notarial mal exercida, poderá ele: a) propor a ação diretamente contra o Estado, com base no art. 37, § 6º, CF, fundamentado na responsabilidade objetiva do Poder Público; b) propor ação diretamente contra o notário e/ou seu oficial de registro, com base no art. 22 da Lei nº 8.935/94, também fundamentado na responsabilidade objetiva de tais integrantes do Poder Público; ou c) propor a ação diretamente contra o preposto causador do prejuízo, se individualizado, nesse caso, porém, tendo que provar a culpa ou dolo com que este tenha agido, pois a hipótese é de responsabilidade subjetiva, nos expressos termos da parte final do citado art. 22 da Lei nº 8.935/94, ao disciplinar a possibilidade do direito de regresso por parte dos notários e oficiais de Registro. Conclui-se, assim, que os notários e registradores, para serem responsabilizados pelo encargo público a que estão investidos, há que se cogitar apenas o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a atividade administrativa defeituosa, dispensando-se a perquirição do elemento culpa ou dolo. A jurisprudência do STF e do STJ é pacífica em reconhecer a responsabilidade objetiva dos tabeliães: “RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ESTADO – RECONHECIMENTO DE FIRMA – CARTÓRIO OFICIALIZADO. Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos – § 6º do artigo 37 também da Carta da República”. (RE 201595, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 28/11/2000, DJ 20-04-2001 PP-00138 EMENT VOL-02027-09 PP- 01896) APELAÇÃO CÍVEL Nº 244932-16.2013.8.09.0032 (201392449324) – 5 Gabinete do Desembargador Geraldo Gonçalves da Costa 19 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DANOS MATERIAIS CAUSADOS POR TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TABELIÃO E SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. 1. O acórdão recorrido encontra em consonância com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual nos casos de danos resultantes de atividade estatal delegada pelo Poder Público, há responsabilidade objetiva do notário, nos termos do art. 22 da Lei 8.935/1994, e apenas subsidiária do ente estatal. Precedentes: AgRg no AREsp 474.524/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/06/2014; AgRg no AgRg no AREsp 273.876/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/05/2013; REsp 1.163.652/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 01/07/2010. 2. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp 1377074/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 23/02/2016). Porém, considerando ser objetiva a responsabilidade dos notários e dos oficiais de registro, a obrigação de indenizar não é absoluta e inamovível diante do dano. É que, como se sabe, tal obrigação pressupõe a inexistência de qualquer das causas excludentes da responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva de terceiro ou da vítima. Na espécie vertente, tornou-se fato incontroverso que houve fraude na procuração para venda de imóvel, onde figuravam como outorgantes Marinilce Siqueira dos Santos Souza e Vilmar José de Souza e como outorgado Quirino Pereira da Silva, tendo-se em vista foram utilizados documentos de identidade falsos, conforme se verifica pela comparação das fotocópias de fls. 35, 09 e 71. Ora, a fraude que vitimou os autores e o comprador do imóvel, também enganou a oficial de registro, pois não tinha ela como saber se os documentos de identidade que lhe foram apresentados eram falsos, já que são perfeitos e o falsário compareceu no cartório. Assim, resta patente a excludente da responsabilidade da cartorária, devido ao ato praticado por terceiro fraudador. Sobre a exclusão de responsabilidade, a jurisprudência: “AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL Nº 244932-16.2013.8.09.0032 (201392449324) – 5 Gabinete do Desembargador Geraldo Gonçalves da Costa 21 APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 557 DO CPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE. ACIDENTE DE TRÂNSITO CAUSADO POR TERCEIRO. RESPONSABILIDADE MUNICÍPIO. AFASTADA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. 1- (…) 2- A responsabilidade do ente estatal é objetiva, o que implica dizer que, para o reconhecimento do dever de indenizar, basta que haja provas do evento danoso, do dano e do nexo causal entre aquele e este, não sendo necessária, a não ser nas condutas omissivas, a demonstração da culpa do seu agente, tendo em vista a adoção da teoria do risco administrativo pelo artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 3- Tendo ocorrido o óbito da vítima/servidor, ainda que em serviço, por culpa exclusiva de terceiro, não encarregado do desempenho de atividade pública, resta configurada excludente de responsabilidade que deflagra o rompimento do nexo causal e por corolário impede o reconhecimento do dever de indenizar por parte do município processado. 4- (…) AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO, MAS IMPROVIDO” (TJGO, APELACAO CIVEL 52058-47.2012.8.09.0029, Rel. DR(A). CARLOS ROBERTO FAVARO, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 16/06/2015, DJe 1812 de 25/06/2015). Assim, embora me filie à corrente que entende ser objetiva a responsabilidade do oficial registrador e notários, no caso em exame, deve ser afastada a responsabilidade da apelante em razão do ato fraudador ter sido praticado por terceiro, o que rompe o nexo de causalidade entre a conduta e o dano causado, afastando a responsabilidade da apelante. Excluída a responsabilidade da apelante, as custas judicias e os honorários advocatícios devem ser suportados pelo vencido, ora segundo apelado/recorrente. 3. Do recurso adesivo interposto por Marcos Miguel de Jesus. O recorrente interpõe recurso adesivo objetivando a reforma da sentença para que a denunciada à lide seja condenada a pagar o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil) pelo lote comprado, já que teria comprovado o desembolso desse valor. Tendo sido afastada a responsabilidade da recorrida Francisca Cilene de Sousa pela lavratura da procuração fraudulenta, resta prejudicada a discussão sobre o valor da indenização que deveria ser paga pela recorrida ao recorrente e por consequência o julgamento do recurso adesivo. 4. Dispositivo Ante o exposto, com fundamento no artigo 557, §1º- A do Código de Processo Civil, por estar em consonância com a orientação jurisprudencial do Colendo Superior Tribunal de Justiça e deste Egrégio Tribunal de Justiça, conheço e dou provimento ao recurso de apelação para excluir a responsabilidade objetiva da apelante (excludente – culpa de terceiro). Julgo prejudicado o recurso adesivo, nos termos do art. 557, caput do CPC, por encontrarse em confronto com a jurisprudência desse Tribunal. Intimem-se. Transitada em julgado esta decisão, remetam-se os autos à origem. Goiânia, 15 de março de 2016. Diác. Dr. Delintro Belo de Almeida Filho Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Relator