*Igor França Guedes
A partir de fevereiro de 2020, quando começou a vigorar o Provimento n. 88/2019, os cartórios extrajudiciais de todo o País entraram para o rol de instituições obrigadas a informar, ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), sobre operações suspeitas, assim como bancos, juntas comerciais e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), entre outros. Há duas situações em que essas instituições devem comunicar o COAF.
Uma delas ocorre quando operações no registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas apresentam alguma transação em dinheiro vivo cujo valor ultrapasse R$ 50 mil ou quando um registro de documento ou título, no registro de imóveis, conste pagamento em espécie ou título de crédito ao portador de valores igual ou superior a R$ 30 mil. Tais informações enviadas ao COAF são chamadas de Comunicação de Operação em Espécie (COE).
A segunda situação ocorre quando há, nas negociações, algum indício de lavagem de dinheiro, conforme a Lei n. 9.613/1998, financiamento do terrorismo, previsto na Lei n. 13.260/2016 ou de crime organizado e outras atividades ilícitas, caracterizando assim a Comunicação de Operação Suspeita (COS) .
Desde quando o Provimento passou a vigorar, consta na base do Comparativo Anual de Comunicações Recebidas, disponível no site do COAF, que notários e registradores enviaram, nos últimos dois anos, 391.524 comunicações de operações que envolviam valores acima de R$ 50 mil. Dessas, 82.118 foram enviadas somente em 2022.
Já em relação à Comunicação de Operação Suspeita, os cartórios foram responsáveis por mais de 3,2 milhões de comunicações, de fevereiro de 2020 até julho de 2022. Esse número é 3,2 vezes mais do que o volume de comunicações feitas pelos bancos, por exemplo, que contabilizaram 990.966 envios ao COAF, no mesmo período.
Somando os dois tipos supracitados, os cartórios foram responsáveis por mais de 3,5 milhões de comunicações. Tais números comprovam sua capilaridade em todo o País e seu compromisso com o combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao crime organizado.
Ao cumprirem com tal eficiência a determinação do Provimento n. 88/2019, publicada pelo órgão máximo de fiscalização do foro extrajudicial (Conselho Nacional de Justiça – CNJ), os cartórios brasileiros ratificam a importância da sua atuação no combate aos crimes que tanto oneram a Administração Pública e, consequentemente, causam imensuráveis prejuízos à sociedade brasileira.
A contribuição das serventias extrajudiciais foi reconhecida um mês após o início de vigência do referido Provimento, quando o próprio COAF homenageou, em 4 de março de 2020, personalidades e instituições que se destacaram, em 2019, na prevenção e ao combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, com a entrega do Diploma de Mérito Coaf.
Na ocasião, o referido diploma foi entregue ao então juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Jorsenildo Dourado do Nascimento, representante do Conselho Nacional de Justiça na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) e, também, responsável pelos trabalhos que culminaram com a edição do Provimento n. 88/2019.
O então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, ressaltou, também na ocasião, que a edição do Provimento criou mecanismos preventivos que impedem a instrumentalização da fé pública por organizações criminosas, com o intuito de conferir legalidade a atos ilícitos, o que dificulta a investigação e apuração de ações suspeitas por órgãos de persecução penal.
A adoção de tais mecanismos preventivos, ainda em 2020, foi fundamental, uma vez que coincidiu com o mesmo ano em que o Brasil foi submetido a uma nova série de rodadas de avaliação pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI/FATF), órgão internacional que estabelece os padrões de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo e avalia os países de acordo com esses padrões, que são aprimorados constantemente.
Vale destacar que, para o GAFI/FATF, apenas o preenchimento de questionário pelo COAF não é suficiente para comprovar a adoção de medidas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. É exigido também que o país avaliado comprove com documentação a efetividade de tais medidas, bem como apresente dados reais dos resultados obtidos.
Diante disso, a inserção das serventias extrajudiciais em um complexo sistema de combate ao crime organizado, ao financiamento ao terrorismo e à lavagem de dinheiro lhes confere um papel para além da sua atividade-fim (garantir a segurança jurídica), posicionando as unidades de atendimento extrajudicial entre as entidades estratégicas para investigação e combate a crimes e contribuindo para melhoria da imagem do Brasil diante os órgãos internacionais.
*Igor França Guedes é oficial do Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição de Goiânia(1ºRIGO) e presidente da Associação dos Titulares de Cartórios de Goiás (ATC-GO), Colégio Registral Imobiliário de Goiás (CORI-GO) e do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de Goiás (SINOREG/GO) e membro do Conselho Deliberativo do do Colégio Registral Imobiliário do Brasil (CORI-BR).
Fonte: Portal Rota Jurídica